
CORPOS PAISAGENS
Já, os retratos de LEONORA impressionam antes de tudo pela possibilidade explícita da representação pictórica do silêncio. Suas pinturas, realizadas com tanta competência na técnica do óleo, tem esse poder de se tornar visível algo abstrato e imponderável. Para Merleau-Pomty, “ o pintor é uma espécie de espelho do mundo, como aqueles que, num quadro holandês refletem, rearticulam e assim pensam a cena de que eles mesmos fazem parte. Por certo, quadro e coisas se dão de modos diferentes”. Leonora tem esta inusitada e encantadora capacidade de ser espelho e refletir, através do seu olhar sensível, uma nova imagem – tão mais poética e interessante – do mundo e das pessoas. As personagens da sua pintura, amigos e familiares, são representadas frontalmente, e parecem nos olhar intensamente nos olhos. Tal como Rembrandt nos seus auto-retratos, as personagens de Leonora estabelecem com o espectador um diálogo intenso, mas, paradoxalmente silencioso.
Para a pintora, a realização de um retrato é também um rito. É uma forma de cultuar a arte em tudo que ela tem implícito, e de homenagear aqueles que lhe são caros. Esse silêncio existente e percebido nos seus quadros foi, sem dúvida, a grande e real presença, atmosfera reinante no momento da realização da pintura, entre o “ver” e o representar cada uma dessas pessoas. E como parece impossível desarticular o momento real do momento fictício – só possível de ser realizado nas obras de arte – esse estado do tempo foi, tal como as pessoas, imortalizado pelas mãos de Leonora.
Nas suas representações, dois conceitos de significados diversos – retrato e paisagem – convergem e se encontram no contexto de sua pintura, passando a coexistir intimamente. Tais conceitos integram-se de maneira tão precisa e singular que o retrato passa a ter elementos de paisagem. Há momento em que as lentes dos óculos de uma personagem refletem, tal como o espelho representado no quadro do pintor flamengo Jan Van Eyck no “Retrato de Giovanni Arnolfini e sua mulher”, a paisagem invisível aos olhos do espectador ou ainda, quando um tom foge das faces de outra figura representada e se instala naturalmente no espaço ocupado pela paisagem. Leonora também representa não somente a sua visão do mundo, paisagens internas, mas busca também as paisagens e a visão do outro.
Sandra Bianchi – 2003
CASA QUINTAL E INCORPÓREAS COMPANHIAS
(…) Foi pensando na alma de Leonora e em sua casa com quintal e na galinha velha que passou a botar ovos secos e pequenos que entrei na estória de sua avó. E ali encontrei uma menina triste que um dia escreveria estórias parecidas com estórias de gente. Eram todas estórias de amor, ele me diria mais tarde. Assim me deixei habitar, por um tempo sem relógios, aquela casa com quintal onde morava Leonora. “É a minha própria casa” – ela me dizia -, mas creio que vim fazer uma visita a alguém.” “E a minha primeira alegria qui foi assim a de partilhar a minha mansão (que é enorme) com alguém que sempre a habitou”.
Não era Leonora quem falava. Talvez fosse Llansol, ou Clarice, ou quem sabe Marilaine L. Coltrane, que um dia, há trinta mil anos, me trouxera até ali. (…)
Lucia Castello Branco – 2003